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O ASSASSINATO DE MARGOT PROENÇA

José Fernandes Costa – jfc.cost15@gmail.com

"No dia em que foi assassinada, Margot trajava blusa de algodão branca. E saia xadrez, nas cores verde e vermelho. Sapatinhos de salto baixo, parecia uma colegial. Tinha 37 anos de idade.”

Esse é um trechinho da narrativa em que a advogada e procuradora de Justiça do Estado de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, inicia o relato de um homicídio passional e cruel. A vítima foi a professora Margot Proença Gallo, mãe da atriz Maitê Proença. – Maitê, na época, tinha 12 anos de idade! –

O autor do crime foi o marido de Margot, o procurador de Justiça, Augusto Monteiro Gallo. Enciumado e enfurecido, Augusto Gallo matou a esposa, com 11 facadas, em meio a uma discussão iniciada por causa dos caprichos dele!

Esse homicídio ocorreu em Campinas SP, no dia 7 de novembro de 1970. – E é um dos 16 homicídios passionais, tratados no livro: "A paixão no banco dos réus", escrito por Luiza Nagib Eluf.

Após o homicídio, Augusto fugiu no carro dele, levando a faca (arma do crime), que nunca foi encontrada. Ele foi para Bragança Paulista (SP); e, de lá, foi para Belo Horizonte, onde ficou homiziado na casa de um “amigo”.

No dia 17 de novembro, 10 dias após o crime, Augusto Gallo voltou a Campinas e se apresentou à polícia. Relatou o episódio ao delegado, à sua maneira; e se disse arrependido; mas acrescentou que não tinha peso na consciência. – Não foi preso.

Essa tragédia, segundo a versão dada pelo próprio homicida, na delegacia de polícia, naquele 17 de novembro, teria tido o seguinte ponto de partida: que Augusto Gallo chegara em casa às 18 horas, no dia 3 daquele mês de novembro. E a empregada informara que o jantar estava pronto, mas a dona Margot acabara de sair e disse que voltaria em cinco minutos. Era terça-feira. E todas as terças-feiras o jantar era servido naquele horário, porque Augusto iria dar aula em seguida.

Que ele achou entranha a atitude da mulher e resolveu seguir Margot. Que a encontrou nos Correios, onde ela estava postando uma carta. Que ele se aproximou por detrás da esposa; e, sem que ela percebesse, tomou a carta das mãos dela, na hora que a funcionária se preparava pra receber a carta e passar na máquina de selagem.

Que Margot reagiu e tentou tomar a carta de volta. E, na confusão, a carta teria sido rasgada ao meio. Que ele pegou um pedaço da carta. E que, ao voltar pra casa e recompor aquela parte da carta, Gallo verificou, estarrecido, que se tratava de uma carta de “amor”, que seria endereçada ao professor francês Ives Gentilhomme.

O professor Ives estivera em Campinas, meses antes, ministrando um curso do qual Margot havia participado. Foi aí, segundo Augusto Gallo, que ele se lembrou de que quando o professor estivera na cidade, as discussões entre o casal haviam aumentado. E cresceram suas suspeitas de que a mulher se envolvera com o professor.

Consta do livro que, após a cena nos Correios, Augusto Gallo teria esperado Margot na porta de casa, com uma arma de fogo na mão; que a ameaçou e bateu nela. E que, a seguir, ele fez Margot entrar no carro. E partiu, cidade afora! No percurso, várias vezes ameaçou matá-la. Mas não tivera coragem. Então, jogara o carro contra postes e outros obstáculos; mais de uma vez, sem sucesso.  Por fim, entregou a arma à esposa e disse que ela o matasse! Margot se livrou da arma de fogo e conseguiu descer do carro, escapando da fúria de Augusto.

Pouco depois, Margot voltou pra casa, em companhia de um delegado de polícia. Que o delegado conversou com Augusto; e este prometera que tudo ficaria em paz; que ele nada faria contra a esposa. – Porém, seguiram-se dias tensos! Quando tudo parecia se acalmar, a empregada da casa, Zenilza, "detonou" a granada: disse que algumas vezes havia visto o professor Gentilhomme na casa do casal, quando Augusto viajava. – (Dizem que o diabo faz medo, não por ser diabo; mas por ser manhoso.)

A partir daí, Augusto Gallo começou a fazer investigações por conta própria, arquitetando sua iminente defesa. Quer no inquérito policial, quer no processo-crime. Ele foi atrás de várias pessoas, inclusive uma ex-empregada doméstica, que trabalhara em sua casa havia mais de 10 anos. Era Maria Bombonato que trabalhou com o casal na época que ambos viviam bem. Augusto quis saber se Maria notara alguma conduta estranha por parte de Margot, naquela época. Maria Bombonato informou ter percebido um relacionamento estranho de Margot com um ex-aluno de prenome Milton (?!) – Como Augusto era amigo do juiz José Augusto Marin, tudo foi facilitado em favor do réu. – Cerca de 40 pessoas foram ouvidas.

A filha Maitê Proença, com 12 anos de idade, foi ouvida pelo juiz e prestou declarações contra a mãe. – (Deve ter sido preparada para isso.) – Para mais ajudar e facilitar a defesa do criminoso, o juiz Marin ouvia as testemunhas na casa do próprio juiz. – O filho Renê, por ter só sete (7) anos de idade, não foi ouvido. – Mas o filho de criação, Jorge das Dores, de 23 anos, declarou que certa vez vira Margot em companhia de um oficial do Exército?!

Contudo, no curso do processo, nunca foi mostrado o suposto pedaço da carta que Margot teria feito para o professor francês?! E nem sequer foi ouvida qualquer pessoa dos Correios, pra confirmar ou negar os entreveros havidos, quando da pretensa postagem da carta naquela noite!

Margot Proença era professora de filosofia, no Colégio Estadual Culto à Ciência, em Campinas. Era querida e admirada pelo pessoal da área de educação e cultura, inclusive por alunos e ex-alunos. Houve muitos testemunhos em favor de Margot; mas nada disso serviu pra condenar Monteiro Gallo, que foi a dois julgamentos pelo Tribunal do Júri, da comarca de Campinas. E foi absolvido nos dois.

Não li a sentença de pronúncia. Mas, pelo que consta no livro, a parcialidade do juiz Marin já começou na peça de pronúncia. Visto que o promotor Alcides Salles recorreu da pronúncia. – Por ocasião do recurso, o promotor Alcides faz esta citação do jurista Nelson Hungria: - “O marido que surpreende a mulher e o tertius em flagrante; e, em desvario de cólera, elimina a vida de uma ou do outro; ou de ambos; pode invocar a violenta emoção. Mas aquele que, por simples ciúme ou meras suspeitas, repete o gesto bárbaro e estúpido de Othelo, terá que sofrer a pena inteira dos homicidas vulgares.

A mãe de Margot contratou o advogado Leonardo Frankenthal para acompanhar o inquérito policial e o processo-crime. E atuar como assistente de acusação. – Augusto Gallo contratou os advogados Álvaro Cury, Valdir Troncoso Peres e Nilton Silva Júnior. O promotor de Justiça era Alcides Amaral Salles.

O Tribunal do Júri de Campinas absolveu Augusto Monteiro Gallo duas vezes, por: "legítima defesa da honra"?!* - No primeiro julgamento a decisão dos jurados foi 7 X 0. A promotoria recorreu. E aquele julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Por manifesta decisão contrária às provas dos autos. Posto que os jurados consideraram "que não houve excesso na conduta de Augusto Gallo; que ele agiu moderadamente, ao matar a esposa" .- (*Inciso vigente no CP da época.)

Na segunda sessão de julgamento, com a mesma tese, o Tribunal do Júri, machista e intolerante, tornou a absolver Monteiro Gallo (4 X 3). – (Onze - 11 - facadas de surpresa foi tido como "agir moderadamente e sem excessos"?! – Imagine o que seria considerado excessivo por aqueles julgadores?!)

O julgamento foi tão aberrante, que o juiz ouviu uma criança de 12 anos de idade, no plenário do Júri (Maitê Proença, filha do casal)! - O juiz José Augusto Marin, durante o inquérito e o processo-crime ouvia as testemunhas na própria residência de Marin, repita-se. Esse juiz José Marin era muito amigo do procurador Monteiro Gallo!


Mas a sentença transitou em julgado, já que não cabia mais recurso. – Por fim, o terceiro e definitivo julgamento de Augusto Monteiro Gallo foi um câncer generalizado que o levou ao suicídio, com dois tiros no coração, em julho de 1989 (19 anos depois de matar a esposa)! - É ISSO! /.

*Na foto, reproduzida da Revista IstoÉ Gente, Margot Proença e a filha Maitê, à época criança.

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